Você já deve ter se deparado com várias notícias sobre abandono de incapaz, normalmente relacionada a uma criança deixada sozinha em casa, mas o abandono de incapaz vai além desse tipo de fato. O artigo 133 do código penal traz o seguinte texto;
Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:
Pena – detenção, de seis meses a três anos.
§ 1º – Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de um a cinco anos.
§ 2º – Se resulta a morte:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Aumento de pena
§ 3º – As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I – Se o abandono ocorre em lugar ermo;
II – Se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.
III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)
Quem é o incapaz?
A incapacidade que determina sujeito passivo deste tipo penal, não está relacionada apenas ao fator cronológico, ou seja, a idade da vítima.
Leia também: Alienação parental, o que é e como agir
A incapacidade pode ser constatada quando verificado que a vítima não tinha condições de se defender, ainda que essa incapacidade seja temporária.
Você já entende automaticamente que uma criança não tem condições de se defender em determinadas situações de perigo, mas um adulto embriagado deixado sozinho em uma estrada deserta também não dispõe dessa capacidade de defesa.
Logo, o incapaz, sujeito passivo do tipo penal é todo aquele que por incapacidade civil (idade); mental (psicopatologias); física (necessidades especiais); sejam elas temporárias ou permanentes, é abandonado em situação de perigo da qual não pode se defender.
Quem pode ser acusado de abandono de incapaz?
Agora que já sabemos quem é o sujeito passivo do crime de abandono de incapaz, fica simples entender quem é o sujeito ativo, quem pode cometer o crime de abandono de incapaz.
Para facilitar ainda mais a compreensão vamos entender os verbos empregados pelo legislador no artigo 133 do Código Penal.
Abandonar pessoa que está sob seu;
Cuidado – quando à assistência eventual, como no caso de cuidadores de idosos;
Guarda – trata-se da guarda legal, como as dos pais;
Vigilância – quando está sob a proteção, como um guia de escalada.
Autoridade – é a relação de poder, como a de um policial sobre um detido algemado.
Então o crime de abandono de incapaz pode ser praticado por qualquer pessoa que tem sob sua guarda uma pessoa da qual tem o dever de prestar o apoio e assistência necessária para sua segurança.
O dolo no crime de abandono de incapaz
A ação de abandonar alguém por si só não é suficiente para caracterizar o crime, é necessário a intenção, o desejo de abandonar alguém expondo o mesmo a perigo.
Além do dolo direto é admitido o dolo eventual, quando não se deseja o resultado, mas o agente assume o risco de produzi-lo.
É importante ressaltar que quando for detectado a intenção de atingir o resultado morte com o abandono, o crime será tratado como homicídio, na modalidade tentado ou consumado, a depender do caso concreto.
Leia também: Divórcio e separação: tudo o que você precisa saber!
Até aqui temos todos os elementos que precisam estar presentes para caracterização do crime de abandono de incapaz, ausente qualquer dos elementos o tipo penal não estará concretizado.
Um exemplo prático é quando a pessoa desconhece seu dever de cuidado, sendo este desconhecimento justificável não haverá dolo e consequentemente não haverá crime.
O crime de abandono de incapaz só será consumado quando a pessoa abandonada estiver correndo um risco real à saúde ou sua vida, por tanto ainda que o agente retorne, o crime já estará consumado.
As qualificadoras
O crime será qualificado quando presente o que está previsto nos §1 e §2 do artigo 133, vale ressaltar que como explicado anteriormente o dolo no crime aqui estudado é o de abandonar, não o de lesionar ou matar, ainda que previsível.
Portanto o agente garantidor, quando abandona, não busca o resultado de dano, mas expõe o incapaz ao perigo, se a intenção é de causar lesão corporal ou morte a tipificação passa a ser a dos artigos 121 e 129 do código penal.
Causas de aumento de pena
Para entender as causas de aumento de pena presentes no §3 vamos destrinchar seus incisos e buscar compreender as nuances de cada causa de aumento.
§ 3º – As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I – Se o abandono ocorre em lugar ermo;
Para qualquer das causas de aumento será acrescido 1/3 a pena aplicada, quando tratamos do abandono em lugar ermo é preciso ter em mente que o local não pode ser completamente ermo, abandonado.
O inciso fala de um local pouco frequentado habitualmente, não se aplicando o aumento de pena no caso de o abandono ocorrer em local que é normalmente bem frequentado, mas no dia do fato estava vazio.
A mesma lógica é aplicada quando o abandono ocorre em lugar que não é comumente frequentado, mas no dia do abandono havia um evento.
Porém, quando o incapaz é deixado em um local completamente abandonado, pode configurar o crime de homicídio.
II – Se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.
Buscou o legislador punir com maior rigor aqueles que possuem o dever maior de cuidado, pelos laços familiares ou legais, importante ressaltar que a jurisprudência inclui neste rol os companheiros que vivem em união estável.
III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)
No inciso terceiro a causa de aumento é taxativa, sendo a vítima maior de 60 anos, a pena deverá ser acrescida de 1/3.
Em ambos os casos dos incisos II e III as causas de aumento de pena afastam a agravante genérica do artigo 62 “e” e “h”.
Excludente de ilicitude e o perdão judicial
Quando o abandono ocorre por uma questão de estado de necessidade este funciona como uma excludente de ilicitude, é inclusive o que decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na (TJRJ, RT 533/387)
“Não se configura o delito se a mãe deixava os filhos trancados por absoluta necessidade de ir trabalhar fora”
Outra circunstância presente nos crimes de abandono de incapaz é a possibilidade do perdão judicial, quando o crime resulta em morte e este é deslocado para o crime de homicídio culposo.
§5º, do artigo 121 do Código Penal Brasileiro:
“Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.”
Autor: Texto escrito para o site marcojean.com por Clebson Victor da Silva – Advogado criminalista em Jaboatão dos Guararapes PE, inscrito na OAB/PE 51738.